Crônica #7 – O dia em que fingi que ia comprar uma casa
Crônica sobre elevadores, diálogos automáticos e pequenas vinganças urbanas.
Mudei de escritório recentemente. Saí de um canto mais isolado, onde quase não se via gente, e fui parar num prédio espelhado onde o único som ambiente é o ar-condicionado central. Um edifício tão corporativo que o elevador parece vir com gravata.
No meu primeiro dia no novo endereço, já percebi que algo estranho estava no ar. Cheguei, apertei o botão do elevador. Fiquei esperando. Nisso, apareceu uma mulher e apertou o mesmo botão.
Que já estava aceso.
Quer dizer: o elevador já estava vindo.
Ela apertou de novo, como se minha primeira tentativa fosse só um ensaio.
Entramos. Apertei o quinto andar, que é o meu. Ela apertou o terceiro. Até aí, tudo bem. Mas quando a porta estava quase fechando, surge um homem de terno azul-marinho, cabelo de comercial de gel, e eu seguro a porta como um herói corporativo.
Ele entra e aperta o terceiro andar.
De novo.
O botão já estava aceso, já havia sido devidamente apertado, mas ele repetiu. Como se o elevador só aceitasse pedidos feitos em dupla.
Mais tarde, na volta pra casa, vivi outro momento mágico. Chamei o elevador. Outra pessoa chegou logo depois.
— Boa tarde, tudo bem?, eu disse.
— Boa tarde, tudo bem?, ele respondeu.
E parou aí.
A conversa morreu do jeito mais vivo possível.
Será que podemos chamar isso de conversa?
Ficamos os dois quietos, com cara de quem devia dizer “Tudo, e você?”, só pra ouvir um “Tudo, e você?” de volta, num loop eterno de cordialidade robótica.
Foi nesse dia que percebi: a gente vive no modo elevador. Fazendo gestos que já foram feitos, dizendo frases que já foram ditas, apertando botões que já estão acesos. Perguntando como as pessoas estão sem de fato ter o mínimo de interesse na resposta.
E no dia seguinte, quando cheguei, já havia um homem esperando o elevador. Eu sabia que ele era corretor de imóveis (não sei como, mas a gente sempre sabe). Dessa vez, decidi quebrar o ciclo. Não apertei nada, não cumprimentei com "tudo bem" automático. Só fiquei parado.
Entramos. No meio do silêncio glacial, resolvi ousar:
— E aí, tudo bem?
— Tudo, ele respondeu. Sem repetir a pergunta, sem variar o tom, sem nem olhar na minha cara. Os olhos grudados no celular, como quem joga Candy Crush em modo de sobrevivência.
Quis sair do automático de vez. Provocá-lo. Perguntei:
— Você trabalha com o quê?
— Sou corretor de imóveis, ele disse. Ainda sem tirar os olhos da tela.
Respirei. E dei meu golpe fatal. Sabia que a alma de corretor dele não resistiria:
— Ah, bom saber. Tô vendo pra comprar uma casa. E comecei a mexer no meu celular também.
Foi como invocar um espírito. Ele levantou a cabeça num susto com os olhos arregalados. Três segundos depois, ele sorriu e disse:
— Opa, que legal. Posso te ajudar...
A porta do elevador abriu. Era meu andar.
— Ah, legal, eu disse. E saí.
Igualzinho ele fez comigo.
No fundo, o elevador é só um espelho de como a gente vive: sobe, desce, repete, sorri por educação e diz que tá tudo bem mesmo quando só quer chegar logo no seu andar. Mas às vezes, pra sair do automático, basta fingir que vai comprar uma casa.
E você? Vai apertar o botão que já tá aceso ou vai tentar a escada hoje?
© TIHH GONÇALVES